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Grupo de Trabalho Psicologia e Povos Indígenas

Sistematização dos
Encontros Realizados em 2009

Apresentação
A estrutura adotada para o desenvolvimento dos Encontros Interdisciplinares sobre Psicologia e Povos Indígenas têm se caracterizado por três momentos distintos:

(1) Aquecimento reflexivo - Nesse primeiro momento, são convidados palestrantes para uma mesa-redonda de aquecimento dos participantes sobre a temática. Geralmente um psicólogo e um antropólogo têm sido convidados a trazerem suas contribuições, experiências e reflexões sobre o atendimento e/ou estudo com as populações nativas.

Uma mesa de abertura tem sido sempre preparada de modo que se possa fazer uma ligação do evento em curso com os eventos anteriores. Nessa mesa, além da conselheira coordenadora do GT Psicologia e Povos Indígenas, participam gestores da subsede do CRP SP que está coproduzindo o evento, além de autoridades locais que estão apoiando os trabalhos. Tem-se tomado o cuidado também de se garantir a presença de representantes das Comunidades Indígenas da região onde acontecem os eventos. No evento de Itanhaém, estava presente Luiz Karai, que é conselheiro distrital; no evento de Boçucanga, estavam os caciques Celso, Renato e Mariano das aldeias da região. Todos da etnia guarani. No evento de Tupã, havia aproximadamente 60 indígenas das etnias guarani, krenak, kaingang e terena. Na mesa com as lideranças estavam presentes: Darã, vice-presidente distrital, os caciques Josoane e Gerson, além das lideranças Dona Juraci, e Ranufo.

(2) Busca por referenciais – Neste segundo momento, os participantes são divididos em subgrupos, pelos quais se procura manter a representatividade profissional, ou seja, a partir de uma rápida sondagem da composição profissional dos participantes, é realizada uma divisão de grupos de modo que se garanta a representatividade. Tem sido comum a participação, além de psicólogos, de outros profissionais da Saúde (enfermeiros e médicos), da Educação (professores e pedagogos) e da Assistência Social.

Além da divisão em subgrupos, a metodologia adotada contemplou a leitura coletiva de um breve texto disparador, “Rede Atenção aos Povos Indígenas” (em anexo). As discussões que se seguiram foram orientadas por duas questões chaves:

  1. Quais as possíveis contribuições dos profissionais de Psicologia na construção de uma Rede de Atenção aos Povos Indígenas?
  2. Quais as ações conjuntas, possíveis de serem articuladas por este coletivo, que poderiam ser realizadas para melhor atender às necessidades das aldeias indígenas desta região?

Os subgrupos foram coordenados por membros do GT cuja tarefa foi a de possibilitar o diálogo entre os presentes, além de sintetizar a produção do grupo. No final dos trabalhos, cada grupo fez coletivamente uma apresentação de sua produção.

No evento de Tupã, realizou-se uma discussão em plenária.

(3) Sistematização da produção - A sistematização da produção foi realizada após os eventos e se deu em três etapas:

  1. Primeiramente, os coordenadores dos subgrupos ficaram responsáveis por elaborar uma síntese, que foi digitada e encaminhada à coordenadora do GT;
  2. A coordenadora reuniu as contribuições num único documento, fazendo pequenos ajustes de redação;
  3. Por fim, uma nova leitura foi realizada desse material, procurando-se extrair seus elementos fundamentais; a partir dessa releitura, procurou-se encontrar categorias de classificação, com o cuidado de manterem-se os textos originais para verificação.

Este relatório é o reflexo da última etapa da sistematização do trabalho.

Inicia-se, porém, a título introdutório, com uma apresentação dos fundamentos assumidos para realização dos trabalhos que ainda estão em curso.


1. FUNDAMENTO GERAL DA PROPOSTA DE TRABALHO

1.1 Teses do VI CNP

As seguintes teses foram aprovadas no VI Congresso Nacional da Psicologia (CNP) realizado em Brasília, em junho de 2007, as quais se constituem na orientação básica das ações do GT Psicologia e Povos Indígenas do CRP SP.

  1. Incentivar a definição de políticas públicas dirigidas aos povos indígenas que considerem as diferenças entre as etnias e as especificidades regionais, garantindo a participação dos mesmos no planejamento das políticas;
  2. Apoiar iniciativas dos povos indígenas de ampliação e qualificação da escolarização, inclusive sua inserção nas universidades;
  3. Promover debates, seminários, trocas culturais entre a categoria e as comunidades indígenas, em especial as da sua região, visando a apropriação da temática pelos psicólogos;
  4. Estabelecer parcerias com entidades da Psicologia para discussão da temática indígena, no âmbito das instituições formadoras de psicólogos, garantindo a interdisciplinaridade necessária;
  5. Incluir as questões indígenas no esforço da construção da Psicologia Latino-Americana, junto à União Latino-Americana de Entidades de Psicologia (ULAPSI).

1.2 Objetivos do Grupo de Trabalho Psicologia e Povos Indígenas

  1. Afirmar a importância da Psicologia e do psicólogo na promoção da saúde indígena;
  2. Proporcionar encontros e diálogo entre psicólogos, indígenas e demais profissionais preocupados com essas comunidades.
  3. Sistematizar e divulgar o produto das reflexões coletivas, que possam servir de referência para quem atua ou venha a atuar na área.

1.3 Recomendações iniciais propostas pelo GT

  1. O desafio das sociedades nativas é poder manter um contato com a sociedade nacional sem perder a integridade cultural e étnica. Este desafio deve ser tratado também como premissa ético-política dos psicólogos com as comunidades indígenas, embasando suas práticas e concepções.
  2. Apoiar as lutas dos povos indígenas, especialmente pelo direito à terra e a implantação de projetos estruturantes que promovam o desenvolvimento sustentável das aldeias.
  3. Apoiar a educação indígena diferenciada, expressa pela Constituição Federal, que garante uma educação bilíngue e a valorização étnica e cultural.
  4. Promover saúde mental a partir de um enfoque psicossocial, com base nos determinantes sócio-históricos dos problemas enfrentados hoje pelas diversas comunidades. Superar relações históricas de dominação.
  5. Fortalecer os laços familiares e comunitários. Intermediar conflitos e promover vínculos integradores da comunidade, por meio do fortalecimento da identidade étnica e cultural e da legitimação dos conhecimentos tradicionais. Aprender com eles.
  6. Inserir a temática indígena nos espaços de debate e formulação de políticas públicas, como Conselhos Municipais DCA, da Saúde, da Assistência, da Educação. Torná-los presentes na política local.
  7. Incentivar a participação de lideranças indígenas nesses espaços e na relação com pesquisadores. Dar voz a seus representantes.
  8. Contribuir nas discussões interdisciplinares, especialmente sobre a natureza dos processos psicossociais e a ética nas relações interculturais.
  9. Tratar de modo diferenciado cada etnia, em função de sua cultura particular.
  10. Tomar cuidado nas pesquisas de campo, princípios éticos devem prevalecer aos interesses acadêmicos. Devolutiva dos conhecimentos produzidos às comunidades.


2. SISTEMATIZAÇÃO DAS PRODUÇÕES OBTIDAS NOS ENCONTROS

As contribuições produzidas pelos subgrupos nos encontros de Boiçucanga, Itanhaém, Tupã e São Paulo foram agrupadas em três eixos:

2.1 Problemas a serem enfrentados pela Psicologia e pelos psicólogos no atendimento aos Povos Nativos

  • Conseguir identificar o grau de contato das populações indígenas com a sociedade envolvente;
  • Desconhecimento das populações nativas quanto às possibilidades oferecidas pela Psicologia;
  • Falta de articulação entre as instâncias governamentais que promovem as políticas públicas, necessidade de um planejamento articulado entre as esferas;
  • Trabalhar com as populações nativas guarda alguma semelhança com o trabalho junto a outros grupos sociais vulneráveis. No entanto, a complexidade dessa relação intercultural é ainda maior porque trata-se de outra cosmologia, outro universo cultural, diferentemente de outros grupos sociais vulneráveis que, apesar de traços culturais também singulares, estes pertencem à nossa mesma cultura branca ocidental- cristã.
  • A linguagem é uma barreira, visto tratar-se de diferentes culturas que falam diferentes idiomas;
  • Falta de infraestrutura (móvel e imóvel);
  • Falta de articulação entre os profissionais de Saúde para o trabalho em rede;
  • Falta de atenção das Secretarias de Educação para o problema do alcoolismo entre os professores indígenas;
  • Enfoques epistemológicos distintos. A cultura branca enfatiza mais a dimensão lógico-epistêmica, enquanto a cultura nativa enfatiza mais a dimensão mito-simbólica;

2.2 Necessidades da Psicologia e dos psicólogos para a criação de uma Rede de Atenção aos Povos Nativos

  1. Necessidades de instrumentalização intercultural
  • Estudar a questão nativa para conferir legitimidade às ações respeitando a diversidade étnico-cultural das populações com as quais venha a trabalhar;
  • Apreender a cultura indígena em questão, para se garantir uma atuação de forma cuidadosa, criteriosa.
  • Considerar a construção da subjetividade da população nativa evitando-se as imposições culturais da sociedade nacional;
  • Compreender o conceito saúde-doença do ponto de vista nativo;
  • Fortalecer as redes já existentes como a Lista de Discussão na Internet; O Grupo de Estudos Transdisciplinares Psicologia e Tradições Nativas e o Grupo de Trabalho Psicologia e Povos Indígenas.
  1. Necessidade de integração e comunicação
  • Estabelecer processos mais eficazes de comunicação.
  • Divulgar as possibilidades de intervenção no campo da Psicologia para os nativos. O psicólogo pode se situar entre a figura do Pajé (que cuida da Saúde) e do Ancião (que cuida da Educação);
  • Ampliar às nossas redes de contato, como família, trabalho e amigos, o debate sobre essa temática;
  • Estabelecer objetivos comuns entre os profissionais implicados, para efetivação de uma Rede de Atenção local;
  • Definir as funções de cada um dos atores da Rede;
  • Dar continuidade ao atual processo de reflexão;
  • Enfatizar o trabalho multiprofissional e interdisciplinar;
  • Promover encontros sistemáticos entre os profissionais que atuam junto aos povos nativos;
  • Usar o termo nativo ou a denominação pela etnia evitando o uso do termo “índio” que é carregado de sentidos negativos.

2.3 Contribuições da Psicologia e dos psicólogos no atendimento aos Povos Nativos

  • Por meio da escuta, o Psicólogo pode contribuir para a criação de relações mais horizontais entre a sociedade nacional e a sociedade nativa, promovendo o protagonismo do nativo e atuando no fortalecimento de sua identidade e autoestima;
  • Atuar na capacitação das equipes de Saúde, ajudando na identificação das melhores práticas/estratégias por meio da construção de sentidos compartilhados e promoção da Qualidade de Vida;
  • Dar suporte emocional aos membros das equipes multiprofissionais de Saúde para lidar com as limitações/frustrações do atendimento às populações nativas;
  • Contribuir para fomentar o diálogo atuando na administração/resolução dos conflitos interculturais;
  • Contribuir para a criação de políticas públicas que considerem a diversidade cultural e a subjetividade dos Povos Nativos.
  • Realizar ações conjuntas com os educadores indígenas, assessorando atividades de capacitação, diagnóstico e estudos, contribuindo com a melhoria da qualidade da educação indígena.


3. TESES PROPOSTAS PARA O VII CNP – Congresso Nacional da Psicologia

3.1 – PRIMEIRA TESE

Eixo:
Construção de referências e estratégias de qualificação para o Exercício profissional.

Tema da tese:
Identidade e Subjetividade Transcultural dos Povos Indígenas

Descrição da situação problema (no máximo 200 palavras)
Vivemos um momento histórico muito importante para as Comunidades Indígenas, pois desde o descobrimento é a primeira vez que se observa o aumento demográfico dessas populações, que têm crescido em média 8 vezes mais que a população da sociedade envolvente. Essa questão tenderá a se constituir cada vez mais em problema, visto que as terras indígenas, além de ainda carecerem de demarcações, são normalmente inadequadas para o tamanho dessas populações que parecem explodirem demograficamente. Esse aspecto tem trazido demandas significativas para a Psicologia (Ciência e Profissão) que precisa aprender a lidar com essa dimensão transcultural da sociedade brasileira, uma vez que se tem presenciado o ressurgimento de etnias consideras extintas, bem como a demanda cada vez maior para a compreensão tanto dessa dimensão da subjetividade do povo brasileiro quanto com as emergentes questões que tem surgido no tocante à identidade dessas comunidades. A Psicologia historicamente parte de um modelo de homem hegemônico, produto de um determinado momento histórico da cultura ocidental. Desta forma, torna-se urgente considerar as questões indígenas a partir de novos olhares criando referenciais para atuação profissional do psicólogo nestas questões.

Diretriz(es) para ação do Sistema Conselhos
Criação de referências para o exercício profissional dos psicólogos na relação com os povos indígenas, observado o respeito à diversidade e à valorização das subjetividades e das identidades transculturais dessas comunidades, que guardam uma inserção na cultura sociedade nacional (brasileira) e em suas sociedades tradicionais (indígenas)

Encaminhamentos
Estabelecer parcerias com entidades da Psicologia para discussão da temática indígena, no âmbito das instituições formadoras de psicólogos, garantindo a inter e transdisciplinaridade necessária;

Incluir as questões indígenas no esforço da construção da Psicologia Latino-Americana, junto à União Latino-Americana de Entidades de Psicologia (Ulapsi), com discussões a respeito da identidade indígena;

Abrir diálogo com a Ulapsi sobre os processos de ressurgimento étnico, fenômeno que vem ocorrendo no Brasil e na América Latina.

3.2 – SEGUNDA TESE

Eixo:
Diálogo com a sociedade e com o Estado.

Tema da tese:
Psicologia e Políticas Públicas para os Povos Indígenas

Descrição da situação problema (no máximo 200 palavras)
Vivemos um momento histórico muito importante para as Comunidades Indígenas, pois desde o descobrimento é a primeira vez que se observa o aumento demográfico dessas populações, que têm crescido em média 8 vezes mais que a população da sociedade envolvente. Essa questão tenderá a se constituir cada vez mais em problema, visto que as terras indígenas, além de ainda carecerem de demarcações, são normalmente inadequadas para o tamanho dessas populações em parecem explodirem demograficamente. Esse aspecto tem trazido demandas significativas para a Psicologia (Ciência e Profissão) que precisa aprender a lidar com essa dimensão transcultural da sociedade brasileira, uma vez que se tem presenciado o ressurgimento de etnias consideras extintas, bem como a demanda cada vez maior para a compreensão tanto dessa dimensão da subjetividade do povo brasileiro,quanto com as emergentes questões que tem surgido no tocante à identidade dessas comunidades. A Psicologia historicamente parte de um modelo de homem hegemônico, produto de um determinado momento histórico da cultura ocidental. Desta forma, torna-se urgente a mediação da Psicologia nas Políticas Públicas, levando as questões indígenas

Diretriz(es) para ação do Sistema Conselhos
Incentivar visibilidade dos povos indígenas na sua diversidade e sua participação nas políticas públicas direcionadas a esta população

Encaminhamentos
Incentivar a definição de políticas públicas dirigidas aos povos indígenas que considerem as diferenças entre as etnias e as especificidades regionais, garantindo a participação dos mesmos no planejamento das políticas;

Promover diálogos entre a categoria, as comunidades indígenas e demais profissionais afins, garantindo participação e igualdade de expressão;

Apoiar iniciativas dos povos indígenas de ampliação e qualificação da escolarização, inclusive sua inserção nas universidades.

São Paulo, 18 de dezembro de 2009
GT Psicologia e Povos Indígenas
CRP-SP