Artigo

Betti Katzenstein Schoenfeldt, uma psicóloga do século 20(1)

Monica Musatti Cytrynowicz
Roney Cytrynowicz
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Betti Katzenstein nasceu na cidade de Hamburgo, Alemanha, no dia 27 de agosto de 1906. De uma família de classe média ligada a atividades profissionais nos campos da educação e do comércio, ela era a filha mais velha de Terezita e Willi Katzenstein. Assim como seus dois irmãos, Carlos e Rolf, Betti viveu a infância e a juventude em Hamburgo, onde freqüentou a escola primária. Iniciou seus estudos universitários em Freiburg e depois se transferiu para a Universidade de Hamburgo, onde cursou filosofia entre 1926 e 1929.

Naqueles anos não havia ainda o reconhecimento formal da profissão de psicólogo na Alemanha, o que só ocorreu em 1941 com a adoção do Diplom-Prüfungsordnunng - um exame de habilitação e conhecimento para o exercício profissional. Existiam várias universidades com estudos de psicologia, mas não um curso formal com este nome. Na Universidade de Hamburgo, a cadeira chefiada por William Stern era a de "Filosofia". O curso feito por Betti pode ser considerado como de psicologia, já que as matérias cursadas eram praticamente todas nesta área.

Como a maioria dos alunos que se formavam em psicologia na época, Betti seguiu para o doutorado, uma vez que o curso não dava qualificação para uma atividade profissional fora da universidade. De forma geral, eram considerados como "psicólogos" os profissionais com cinco anos de atuação na área ou os que possuíssem um doutorado. Em 1931, ela recebeu o título de doutora em filosofia com a tese A apreensão do caráter do trabalho do ponto de vista da psicologia da aptidão - problemática e metodologia(3).

O Instituto de Hamburgo foi fundado sob a liderança de William Stern, em 1919, principalmente para aplicar e estudar testes vocacionais. Stern era um dos mais importantes psicólogos da Alemanha. Foi várias vezes presidente da Deutsche Gessellschaft für Psychologie, a mais importante organização alemã de psicologia antes da regulamentação.
No campo profissional da psicologia na Alemanha, as áreas de seleção e orientação profissional eram importantes. O trabalho de psicólogos na Primeira Guerra Mundial na seleção de militares, na indústria e escolas modificou inclusive a inserção acadêmica da psicologia, com o estabelecimento do ensino de psicologia e psicotécnica em colégios técnicos. Após a guerra - com a depressão econômica e a necessidade de recolocação profissional dos soldados na vida civil - as áreas de aplicação direta da psicologia e a psicotécnica ganharam impulso. O Estado e a indústria procuravam otimizar as escolhas por meio da contratação de psicólogos.

Em seus primeiros anos de trabalho, a dra. Betti (como ela ficaria conhecida no Brasil) atuou nas áreas industrial e pedagógica. No campo de seleção profissional publicou "O reconhecimento do caráter através do trabalho pela seleção psicológica profissional" e "Seleção profissional: desenvolvimento profissional e verificação da eficiência dos aprendizes de relojoaria". No campo pedagógico publicou três artigos, entre 1931 e 1933, intitulados "Psicologia da criança no filme", na Zeitschrift für Pädagogische Psychologie, comentando filmes de Kurt Lewin e Gessell e Vollelt. Dra Betti foi assistente de Stern, trabalhando com ele a partir de 1927; juntos publicaram "Credibilidade diferente de irmãs gêmeas de 7 anos de idade em um processo de delito sexual", em 1931. A dra. Betti interessou-se também pela questão da psicologia da comunicação e pela aplicação da psicologia ao Direito.

A notável efervescência intelectual, cultural, artística e política da República de Weimar, na Alemanha, e de sua democracia foram destruídas a partir de 1933 com a ascensão do partido nazista ao poder e a submissão de toda liberdade a um sistema totalitário. Em abril de 1933, o nazismo instituiu a "lei de restauração do serviço profissional civil", que determinou a demissão de todos os funcionários públicos que fossem considerados de oposição, como social-democratas e comunistas, e os que fossem considerados de "raça inferior", conforme a eugenia nazista.

A perseguição nazista contra toda vida intelectual livre levou ao êxodo de milhares de professores. A política nazista destruiu o Instituto de Hamburgo. Em abril de 1933, William Stern foi proibido de lecionar e depois demitido. Ele imigrou para os Estados Unidos e faleceu em 1938. Outros professores de psicologia do Instituto de Hamburgo foram perseguidos: Heinz Werner foi demitido e Martha Murchow não resistiu às perseguições e se suicidou em setembro de 1933. A cadeira ocupada por Stern foi eliminada e, em 1941, uma nova cadeira de psicologia foi criada e ocupada por um simpatizante nazista.

Como intelectual, psicóloga, livre pensadora e judia, Betti Katzenstein foi expulsa da universidade pelo regime nazista. Para sobreviver, passou a dar aulas particulares, acreditando que o nazismo teria curta duração. Em 1935, foi presa pela Gestapo, a polícia política nazista, e ameaçada de ser enviada a um campo de concentração, acusada de manter relações pessoais com militantes comunistas. Ficou cinco semanas presa. Foram dias de terror e angústia que deixariam marcas profundas em sua vida. Amigos e familiares conseguiram salvá-la da prisão na noite de Natal de 1935. Após duas noites em liberdade, ela tomou a decisão de emigrar. A Suíça, onde vivia um primo, foi seu primeiro refúgio.

Depois de seis semanas na Suíça na condição de refugiada e aguardando a documentação, a dra. Betti imigrou para o Brasil, chegando a São Paulo em fevereiro de 1936. Foi morar na Vila Mariana com o irmão Carlos, que era classificador de algodão e havia sido contratado para trabalhar no Brasil, em 1934. Como veio para o Brasil sem qualquer preparação, a dra. Betti não falava nenhuma palavra de português. Em sua adaptação à nova vida, a preocupação primordial foi a inserção profissional: como trabalhar e sustentar-se e como aplicar seus conhecimentos e experiência.

Em maio de 1936, três meses após sua chegada ao Brasil, ela ingressou no Laboratório de Psicologia do então Instituto de Educação da USP, a princípio como colaboradora voluntária e, depois, em março de 1937, como assistente. O laboratório tinha a "dupla finalidade de promover a pesquisa e oferecer serviços psicológicos à comunidade, através de convênio com a Secretaria da Educação"(4) e era, sem dúvida, um dos núcleos mais importantes de psicologia em São Paulo, estando não só na origem da faculdade de psicologia da USP, mas também da própria definição da psicologia como profissão e campo de atuação e saber(5). Sediado na Praça da República, na Escola Caetano de Campos, era "para lá que convergem os primeiros interessados na Psicologia como nova possibilidade de estudo e formação."(6) O laboratório desenvolvia uma linha de estudos ligada a questões educacionais e era coordenado por Noemi Silveira Rudolfer(7). Em 1939, três anos após chegar ao país, a dra. Betti naturalizou-se brasileira, formalizando sua decisão de estabelecer-se definitivamente no Brasil.

Dra. Betti passou a trabalhar promovendo estudos sobre os interesses infantis e seu psiquismo. Uma maior compreensão do mundo infantil refletiria em uma melhor atuação junto a elas na educação. Em uma palestra, em 1938, ela recolheu "anedotas infantis" para mostrar que elas nada mais são que uma surpresa dos adultos com o contato com o psiquismo infantil. "Tentamos compreender psicologicamente as realizações infantis, não como desvios e erros, porém como manifestações de uma outra atitude em relação ao mundo", escreveu ela. "O psiquismo infantil tem uma estrutura diferente do nosso; sua lógica e sua concepção do mundo, com seus acontecimentos, diferem das nossas. O estudo psicológico das suas manifestações na língua, no desenho, nos 'tests', nos faz compreender este mundo infantil e nos deixa agir melhor nele, para o desenvolvimento são das crianças de hoje - homens de amanhã."(8) São postulados como este que norteariam o trabalho da dra. Betti no Laboratório de Psicologia e, posteriormente, em outras instituições, como a Cruzada Pró-Infância.

Nesta época, em conjunto com Beatriz de Freitas, pesquisou os interesses das crianças pelos livros nas bibliotecas infantis do Departamento de Cultura. Interessava-se pelo que as crianças gostavam de ler e assistir no cinema. Além das questões psicológicas envolvidas, havia a preocupação de embasar políticas educativas relativas às crianças, como a defesa das bibliotecas infantis e a publicação de mais e melhores livros para as crianças. Ela trabalhou em decretos que regulavam a assistência de menores ao cinema e observou o comportamento dos pequenos durante sessões cinematográficas.

A Cruzada Pró-Infância, fundada em 1930, propiciava assistência à mãe e à criança e possuía, em vários bairros da cidade, centros com serviços de higiene pré-natal, higiene infantil, higiene pré-escolar e exame médico geral. Em bairros mais afastados, a Cruzada mantinha Jardins de Infância, onde as crianças recebiam assistência médico-sanitária, educativa e alimentação. Em maio de 1935, o Laboratório de Psicologia Aplicada foi convidado pela Cruzada a participar da "Semana da Criança" no "Dia da Criança que Trabalha". Foi formada uma comissão que tinha como objetivo cooperar com associações operárias, oferecer cursos de orientação profissional e participar dos cursos oferecidos pela Cruzada, como o de puericultura, para formação de professores, jardineiras e pajens.

Em 20 de julho 1938 ocorreu - anexo ao 1o Congresso Paulista de Psicologia, Neurologia, Psiquiatria, Endocrinologia, Identificação, Medicina Legal e Criminologia - o "Seminário de Mães", promovido pela Cruzada. Neste seminário participam várias pessoas ligadas ao Laboratório de Psicologia, inclusive a diretora Noemy Silveira Rudolfer. Também a dra. Betti participou, com artigo sobre o estudo das crianças de zero a seis anos. Na mesma ocasião foi criada uma comissão com o objetivo de defender a abertura de escolas maternais, jardins de infância e cursos de formação de pajens, composta por Pérola Biyngton e pelas psicólogas Dra. Betti e Charlotte Hirschfeld.

Dra. Betti se transferiu para a Cruzada Pró-Infância em 1940. No mesmo ano, a Cruzada estabeleceu um programa de cooperação com o Laboratório de Psicologia. A dra. Betti Katzenstein e Eulália A. Siqueira organizaram uma "ficha individual" das crianças. Os casos "mais difíceis" eram encaminhados ao Serviço de Higiene Mental do Departamento de Saúde Escolar, dirigido por Durval Marcondes, fundado no ano anterior. A ação da dra. Betti na Cruzada deu-se de acordo com "doze exigências" para garantir o bem estar e, com isso, a saúde mental da criança até sete anos: centros de puericultura, cursos de puericultura, mais jardins de infância, máximo de 20 crianças por jardineira, criação de curso para especialistas em educação pré-escolar, reuniões e cursos para mães, observação médica, psicológica e educacional - antes e durante a estadia no jardim -, cooperação de educadores e famílias, possibilidade de semi-internato, meios de ajuda em situações especiais - internato quando as mães estejam doentes, colônia de férias e a criação de um 'post-jardim(9).

Em 1941 foi criada a "Secção de Psicologia Infantil" na Cruzada e a dra. Betti trabalhou como psicóloga nesta instituição até 1951. A seção funcionava com uma Clínica Infantil (Child Guidance Clinic), uma das primeiras do Estado(10), e como Centro de Pesquisas(11). A partir deste trabalho, de 1941 até 1949, ela publicou diversos artigos em revistas especializadas e em jornais de grande circulação. Entre eles, os estudos "Crianças sem jogos" e "Os principiantes", que ela considerava tão importantes como os atendimentos individuais. Para seus estudos e pesquisas, os principais métodos utilizados eram os seguintes: observações, entrevistas, coleção de desenhos, provas e testes psicológicos de personalidade (projetivos) e de nível mental, visitas domiciliares e escolares. Os estudos focalizavam sempre três aspectos contínuos da vida da criança: o lar, o Jardim de Infância e a escola.

Um dos aspectos mais estudados pela dra. Betti neste período, e um dos que ela defendia com mais veemência, era a questão da maturidade escolar e da necessidade de criação de um "pré-primário" ou "post-jardim" que permitisse às crianças sem maturidade suficiente preparar-se para cursar o 1o ano primário e evitar a repetência. Estudos comparando a avaliação de maturidade antes de deixar o Jardim e o desempenho destas crianças durante o 1º ano foram desenvolvidos a partir de 1941. A preocupação com a eliminação do alto grau de repetência e a criação de um ambiente mais satisfatório para os professores, e mais adequado para as crianças, levaram a vários artigos(12). Para a dra. Betti, a escola representava para as crianças uma grande exigência em termos psíquicos; para as "imaturas" era uma exigência excessiva. "Há crianças que, mesmo tendo bastante oportunidade de brincar, aos sete anos ainda estão intensivas na sua atividade de brincar e somente um ensino compreensivo consegue fazê-las passar sem danos psíquicos do 'país do brinquedo' para o 'país da escola.(13)" Desde esta época a dra. Betti se preocupou com a criação de instrumentos - como testes de aplicação coletiva - que auxiliassem nesta avaliação e pudessem ser aplicados em larga escala.

A sua experiência com a educação infantil no Jardim de Infância levou a dra. Betti à chefia da Divisão de Educação Pré-Primária do Departamento de Educação de São Paulo, onde desenvolveu trabalho de pesquisa e de orientação de professores de 1950 a 1953.

Fundação de entidades

A partir dos anos 1940, ela seria colaboradora de várias instituições que atendiam crianças com necessidades específicas, principalmente com deficiência mental. Entre as instituições estão Lar Escola São Francisco, Fundação Para o Livro do Cego (Dorina Nowill), APAE-SP, Sociedade Pestalozzi e Centro Israelita de Assistência ao Menor - Ciam. Ela foi uma precursora de tratamentos diferenciados e de práticas de inclusão social destas crianças, em uma época em que estas concepções estavam apenas iniciando.

O Lar Escola São Francisco foi fundado em 1943, por meio da iniciativa de Maria Hecilda C. Salgado, que foi a presidente da instituição durante cinqüenta anos. A dra. Betti ocupou o conselho consultivo-técnico do Lar até 1954. Foi inclusive ela quem sugeriu o nome da instituição. Na Sociedade Pestalozzi, fundada em 1952 para atender às crianças excepcionais, a dra. Betti foi colaboradora. Foi também fundadora e primeira diretora técnica do Ciam, entidade dedicada ao atendimento de crianças excepcionais, iniciada em 1958. A Apae de São Paulo, por sua vez, foi fundada em abril de 1961 por um grupo de pais de crianças excepcionais e profissionais que atuavam neste campo, entre os quais a professora Olívia Pereira, o diretor do Instituto de Psicologia da PUC, Enzo Azzi, e a dra Betti, considerada na época uma das maiores especialistas em retardo mental.

Como refugiada e imigrante, a dra. Betti também era particularmente sensível às questões das crianças nesta condição. Ela trabalhou como voluntária no Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista - CIP, e no Lar da Organização Feminina Israelita de Assistência Social - Ofidas(14), entidades que acolhiam imigrantes. Sua atuação não se restringia apenas a estudos e avaliações psicológicos de casos infantis. Ela orientava os encaminhamentos, conseguia vagas para as crianças em famílias substitutas ou em lares abrigados, fazia com as mães um trabalho de orientação vocacional e colocação no mercado de trabalho, orientava e sugeria atividades desenvolvidas pela creche com as crianças, opinava sobre a contratação dos funcionários que atuavam com as crianças e colaborava em todas as atividades, como a formação de um bazar de roupas ou de uma biblioteca infantil.

Além da defesa de um pré-primário, a dra. Betti assumia a defesa dos egressos do primário, que encontravam poucas opções já que não podiam ainda trabalhar. Os ginásios e escola comerciais eram opções para uma minoria e os cursos oferecidos eram, para ela, inadequados. Foi esta preocupação que a levou a sugerir um curso vocacional na Ofidas para aqueles que não estavam preparados para seguir um curso comercial ou profissionalizante(15).

Ainda em 1941, a dra. Betti começou a trabalhar, juntamente com Aniela Ginsberg, no Centro de Orientação Profissional do Instituto de Organização Racional do Trabalho, o Idort, que atendia especialmente adolescentes em orientação educacional e profissional e funcionava também como clínica psicológica. Posteriormente trabalhou no Senai, fundado em 1942, como assistente técnica da Divisão de Seleção, trabalhando com teste de seleção e qualificação profissional até 1951.

Outra área em que a dra. Betti atuou desde os anos 1940 foi a área médica. Ela se preocupava muito com as crianças doentes ou hospitalizadas e com o preparo dos profissionais que atuavam com estas crianças: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, ortopticas e dentistas. Ela defendia que na construção de um hospital, um psicólogo deveria ser sempre consultado pelo arquiteto para opinar sobre questões relativas ao bem-estar psíquico dos doentes. Em março de 1946, a dra. Betti começou a dar aulas para uma turma de alunas de enfermagem. Embora um curto curso não pudesse dotar as enfermeiras de todo o conhecimento psicológico da criança, ela propôs que estas alunas conhecessem melhor o que é uma criança. Assim, antes de qualquer teoria, as orientava a observar as crianças em atividades e situações variadas: na Praça da República, na fila do pão, na Cruzada Pró-Infância, nas Lojas Americanas, na sala de espera do instituto de Higiene, na feira, na biblioteca infantil. Depois de cinco aulas práticas, comentava as observações levantadas pelas enfermeiras, distinguindo o que é observação, o que é diagnóstico sem provas, preconceitos, generalizações, conclusões apressadas e valorizações de atitude. Só então as alunas eram apresentadas à teoria de personalidade e desenvolvimento(16). Ela ressaltava a importância do respeito pela criança, suas necessidades e produções. A preocupação com a cooperação com os outros profissionais estava sempre presente, incluindo a jardineira, pediatra, educadora-sanitária, nutricionista, entre outros(17).

Em 21 de dezembro de 1946 a dra. Betti foi contratada para dar aulas de Psicologia da Criança na Escola de Enfermagem da Faculdade de Medicina da USP. Em 1947 e 1948, enquanto Otto Klineberg lecionava Desenvolvimento da Criança, ela lecionava Desenvolvimento Psicológico da Criança, o que fez até 1952. Entre 1953 e 1962, lecionou Psicologia na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo.

A Dra. Betti publicava constantemente artigos em revistas científicas e participava de inúmeras sociedades. Foi integrante do Comitê Diretor da Sociedade Internacional de Psicologia Aplicada de 1949 até 1971. Esteve entre os fundadores da Sociedade de Psicologia de São Paulo em 1945. Coordenados por Otto Klineberg - que ocupou a cátedra de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de 1945 a 1947 - alguns destes fundadores se reuniram e escreveram o livro Psicologia Moderna, publicado em 1953. Cada um escreveu um capítulo sobre a sua especialidade, cabendo a dra. Betti o capítulo sobre Psicologia da Criança. Faziam ainda parte deste grupo: Anita Cabral, Frank Philips, Aníbal Silveira, Paulo Sawaya, Otto Klineberg, Cícero Chistiano de Sousa, Durval Marcondes, Aniela Ginsberg, Maria de Loudes Viegas, Lourenço Filho, Virginia Leone Bicudo, Almeida Junior, Cícero Chistiano de Sousa, Herbert Baldus, Mário Wagner Vieira da Cunha e Raquel Vieira da Cunha.

Posteriormente, foi uma das primeiras a se inscrever no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, em 27 de agosto de 1974, quando este foi criado. Seu CRP é número 27. Além disso, ela tinha a preocupação de divulgar a psicologia para o público leigo. Isso a levou a escrever artigos em jornais de grande circulação. Durante os anos de 1947 e 1948 manteve uma coluna semanal na Folha da Manhã, chamada "Clínica Psicológica", em que respondia às questões levantadas pelos leitores, representados por uma personagem fictícia, "dona Anastácia", com quem mantinha um diálogo. Na década seguinte, de 1956 a 1958, manteve uma coluna na revista feminina Lady. Nesta revista, escrevia também Huberto Schoenfeldt, com quem viria a se casar em 1958, aos 52 anos.

Durante mais de 40 anos, a dra. Betti atendeu centenas de pessoas em seu consultório, que sempre funcionou em sua residência. Ela atendia pais, crianças e adolescentes em estudos de caso, diagnóstico e orientação. Seu estudo envolvia, além da aplicação de testes e de entrevistas, análise de álbuns de fotografias da criança, diários, desenhos e material escolar, detalhada visita domiciliar e também a observação da criança nas situações reais em que ela vivia, seja em casa seja na escola ou em atividades livres.

Dra. Betti considerava os testes psicológicos instrumentos muito importantes. Traduziu, adaptou, estabeleceu normas para avaliação, em nosso meio, de testes estrangeiros e produziu vários trabalhos discutindo resultados comparativos de testes como Rorschach e Mosaico de Lowenfeldt. Mas foram os testes coletivos, especialmente de maturidade escolar, que a ocuparam mais.

Em 1960, partindo da experiência acumulada entre 1949 e 1959 com estudos de maturidade escolar, elaborou um teste projetivo, de aplicação coletiva, com a finalidade de obter indicações quanto à maturidade e à adaptabilidade social e emocional, e que permitisse também obter certos dados quanto ao nível mental das crianças. O teste recebeu o nome de "Becasse Atitudes Sócio-emocionais". Em 1961 apresentou um novo e mais completo teste: "Becasse: Teste Coletivo de Maturidade Escolar", que incorporava não só o Becasse Atitudes, mas também tarefas adaptadas de outros testes como Goodenough, ABC de Lourenço Filho, Decroly-Bruyse e Hetzer-Tem. O nome Becasse vem de B, K e S, as iniciais de seu nome.

Em 1976, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis passou por uma grande reestruturação, com a sua incorporação à recém-criada Universidade Estadual Paulista - Unesp. Neste contexto de transformação, ela foi convidada como professora do Departamento de Psicologia. Iniciando como professora de Técnicas de Exames e Aconselhamento, tornou-se chefe de departamento e coordenadora da Clínica Psicológica. Implantou um serviço de atendimento ao estudante e de acompanhamento psicológico ao aluno, já que muitos alunos da universidade pública não podiam pagar uma terapia. Também implantou um sistema de reuniões de pesquisa e fez contato com o Judiciário para trabalhar em laudos para imputabilidade ou cessação de periculosidade. Nas férias, organizava um grupo de professores que orientavam alunos que estivessem dispostos a trabalhar em projetos de atendimento à comunidade. A Dra. Betti coordenou também o primeiro curso de especialização em psicologia clínica da Unesp de Assis.

Dra. Betti foi contratada pela Unesp como professora colaboradora - porque a universidade não permitia a contratação de professores de mais de 70 anos. Era um contrato temporário de dois anos, que foi renovado em 1978 por mais dois. Ao final deste tempo, não pode ser renovado novamente - obstáculo com o qual seus colegas não se conformavam - e a dra. Betti acabou voltando a São Paulo. A volta a São Paulo não foi fácil, mas a dra. Betti retomou o trabalho e o consultório, do qual dependia economicamente. Em 25 de julho de 1981, sete meses depois de retornar a São Paulo, a dra. Betti morreu de parada cardíaca, antes de completar 75 anos.

Fontes de Pesquisa

Arquivos Pesquisados: Academia Paulista de Psicologia, Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), Biblioteca Central da PUC-SP, Biblioteca da Congregação Israelita Paulista, Biblioteca da Escola de Sociologia e Política, Biblioteca da Faculdade de Educação da USP, Biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da USP, Biblioteca do Instituto de Psicologia da USP, Biblioteca Municipal Presidente Kennedy - Santo Amaro, Centro de Documentação e Memória da Unesp - Cedem, Conselho Regional de Psicologia - SP, Cruzada Pró-Infância, Lar Escola São Francisco, Museu da Imagem e do Som - SP - Projeto de História Oral / Arquivo do Estado / Academia Paulista de Psicologia, Secretaria e Biblioteca da APAE - SP, Secretaria da Escola de Enfermagem da USP, Sociedade de Psicologia de São Paulo e União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social - Unibes.

Depoimentos Realizados: Amélia Toledo, Annelise Strauss, Célia Salgado Teixeira, Dorina Nowill, Dorothea Hanser, Henrique Rattner, Hilda Caruso, Margarida Windholz, Maria Amélia Vampré Xavier, Myrian Xavier Fragoso, Mirian Markus, Miriam Tricate, Nina Diesendruck, Sonia Wolf, Tamara Ka [Katzenstein], Tereza (Terezita) de Souza Pagani e Thereza (Tessi) Hantzschel.

Periódicos Pesquisados: A Criança Portuguesa, Anais de Enfermagem, Anais da Semana da Criança, Archivos do Instituto de Educação da Universidade do Brasil, Archivos da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (Arquivos Brasileiro de Psicologia Aplicada), Arquivos da Polícia Civil de São Paulo, Boletim Bibliográfico, Boletim de Higiene Mental, Boletim de Psicologia, Boletim do Serviço de Educação Pré-Primária do Departamento de Educação, Crônica Israelita, Diário Popular, O Estado de S.Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite, Folha da Tarde, Habitat - Revista Brasileira de Arquitetura, Artes Plásticas e Artesanato, O Médico Moderno, Pediatria Moderna, Resenha Judaica, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Revista Brasileira de Deficiência Mental, Revista do Arquivo Municipal, Revista Industrial de São Paulo, Revista de Organização Científica - Idort, Revista de Psicologia Normal e Patológica, Revista Educando, Revista Hospital Hoje, Revista Lady, Revista Sociologia e Symposium - Revista da Universidade Católica de Pernambuco.

    1. Este artigo baseia-se na pesquisa histórica realizada para o vídeo-documentário Betti Katzenstein Schoenfeldt, uma psicóloga do século 20, realizada por Monica Musatti Cytrynowicz, da Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História, para o CRP-SP em 2002, como parte do Projeto História e Memória da Psicologia do CRP-SP, coordenado por Carmen Silvia R. Taverna.
    2. Monica Musatti Cytrynowicz é psicóloga formada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, com especialização em Psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientae. Foi pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo. Roney Cytrynowicz é historiador e doutor em história pela Universidade de São Paulo. Ambos são diretores e pesquisadores da Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História.
    3. Diploma de doutor da Universidade de Hamburgo.
    4. MELO, Silvia Leser. Psicologia e profissão em São Paulo, São Paulo, Ática, 1975, p. 37.
    5. ANTUNES, Mitsuko A. M. A Psicologia no Brasil: Leitura histórica sobre sua constituição, São Paulo, Unimarco/Educ, 1999 e BOSI. Ecléa, "O Instituto de Psicologia", Revista Estudos Avançados, n° 22, set/dez 1994.
    6. BOTELHO, Ester Zilda. Os fios da história: Reconstrução da história da psicologia clínica da Universidade de São Paulo, Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia da USP, 1989; p. 61.
    7. BOTELHO, Ester Zilda. Os fios da história: Reconstrução da história da psicologia clínica da Universidade de São Paulo, Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia da USP, 1989; p. 63.
    8. "Alguns aspectos do psiquismo infantil", Anais do 1o Congresso Paulista de Psicologia, Neurologia, Psiquiatria, Endocrinologia, Identificação, Medicina Legal e Criminologia, (realizado de 24 a 30 de junho de 1938), 1941.
    9. "Higiene mental nas crianças de 4 a 7 anos", Boletim de Higiene Mental, Instituto de Assistência Social ao Psicopata, ano 3, n° 15, nov. 1945, São Paulo.
    10. "O que se faz em Psicologia em São Paulo", Boletim da Sociedade de Psicologia de São Paulo, ano 1, n° 2, fev. 1946.
    11. "Estudos sobre a criança de Jardim de Infância e seus interesses", Revista Educando, Associação dos Professores Primários de Minas Gerais, ano 4, n° 26, agosto 1943.
    12. "Os Principiantes", O Estado de S.Paulo, 20/02/1944. (publicado também na Revista de Organização Científica - IDORT, vol. 13,n° 148, abril 1944, pp.7-8.)
    13. "Crianças sem jogos", O Estado de S.Paulo, 21/12/1944.
    14. Sobre a história do Lar das Crianças da CIP e do Lar das Crianças da Ofidas, ver CYTRYNOWICZ, Monica Musatti e CYTRYNOWICZ, Roney. A "Congregação Israelita dos Pequenos. História do Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista. S.P., Narrativa Um, 2003 e CYTRYNOWICZ, Roney. Unibes 80 anos. Uma história do trabalho social na comunidade judaica em São Paulo. S.P., Narrativa Um, 2000.
    15. "Um ano de oportunidades", Crônica Israelita, 05/01/1945.
    16. "Lições de psicologia infantil aplicada à enfermagem: As crianças precisam de nós", Anais de Enfermagem, Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas, vol.15, n° 21, out/dez 1946, pp. 20-25.
    17. "Observações e Estudos sobre Ajustados e Desajustados: A criança e seu primeiro dia no Jardim de Infância", Revista do Arquivo Municipal, vol. 93, out/dez 1943, pp. 145-161.