A situação é freqüente. A cada dia chegam novas queixas ou dúvidas no Centro de Orientação e na Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. São clientes insatisfeitos diante da ausência de um retorno dado pelo psicólogo quanto aos resultados dos serviços prestados, a falta da devolutiva ou mesmo profissionais questionando a necessidade de fornecê-los. O novo Código de Ética, que entrou em vigor no dia 27 de agosto de 2005, é claro quando apresenta referências neste sentido, apontando o entendimento de que a informação dos resultados é um direito do cliente e um dever do psicólogo. Se tal entendimento tem, por um lado, o mérito de procurar garantir ao usuário o direito ao acesso às informações relativas ao trabalho que se encerra (resultados, bem como a necessidade de encaminhamentos), por outro, busca dar ênfase a uma parte essencial do serviço prestado pelo psicólogo, focando a importância do fechamento de um processo com a apresentação/ compartilhamento das conclusões do trabalho realizado.
Patrícia Garcia, presidente da Comissão de Ética do CRP SP, destaca que, a partir dos anos 90, num cenário no qual nossa sociedade pôde se voltar mais para a condição do cidadão brasileiro como um cidadão de direitos, sendo estabelecido o Código de Defesa do Consumidor, foi ficando cada vez mais claro a posição da Psicologia em entender o cliente também como consumidor de seus serviços, o que, evidentemente, acabou por refletir em uma nova configuração do Código de Ética da Profissão.
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O Código de Ética do Psicólogo vigente, em seu artigo 1º, alíneas "g" e "h", diz que é responsabilidade do psicólogo "informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetam o usuário ou beneficiário" e "orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho". Patrícia aponta que tais alíneas espelham essa compreensão, pois enfatizam a importância deste compartilhamento de informações/ resultados, tanto no que diz respeito à devolutiva, quanto ao encaminhamento, quando se fizer necessário. Esclarece que a devolutiva já estava devidamente regulamentada como obrigatória no contexto da Avaliação Psicológica (A.P.) para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (Resolução CFP nº 12/00). No que diz respeito à A.P. em concursos públicos e processos seletivos, já havia a previsão, através da Resolução CFP nº 01/02, no sentido de garantir o caráter facultativo da devolutiva, considerando a solicitação do candidato. Entretanto, com o novo código, essas questões ganharam caráter mais geral.
Ela frisa, também como decorrência destas alíneas, que, no caso de solicitação por parte do cliente de documento referente ao serviço que foi prestado, é dever do profissional fornecê-lo. "É preciso que o psicólogo compreenda que, diante de uma solicitação, é direito daquele que participou do processo de atendimento psicológico receber documento pertinente ao trabalho que foi realizado", diz.
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Entendendo a devolutiva
A devolutiva, em sua maioria é resultante de um processo de avaliação psicológica sendo esta entendida como um processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas: métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados dessas avaliações, ou devolutivas, devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo, segundo a resolução 07/2003 do CFP. |
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Maria Cristina Pellini, conselheira efetiva e membro da Comissão de Ética do CRP SP, comenta que qualquer modalidade de devolutiva realizada (verbal ou por escrito) ou documento elaborado referente ao serviço prestado deve ter como foco a demanda inicial do atendimento.
No que diz respeito à avaliação psicológica, reconhece que, ao fim do processo de avaliação, a devolutiva se torna uma tarefa complexa para o psicólogo. "A devolutiva não é uma tarefa nem um pouco fácil em nosso trabalho, pois não estamos somente transmitindo os resultados do processo de avaliação psicológica, mas sim o fruto de um trabalho realizado a partir de uma demanda.", diz. |
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Importância da devolutiva nos processos de avaliação psicológica na obtenção da CNH
Segundo a psicóloga Maria Fátima de Andrade, que realiza treinamentos na área de Educação para o Trânsito, no caso da avaliação psicológica para a obtenção da CNH, a importância ética está na obrigatoriedade do cumprimento do Código de Ética do Psicólogo, no art. l°, alínea g, e da Resolução 12/2000 do Conselho Federal de Psicologia, em que está prevista a realização da entrevista devolutiva aos candidatos.
Do ponto de vista dos direitos constitucionais do cidadão: "É assegurado a todos, pela Constituição Federativa do Brasil, no art. XIV, o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional". Portanto, o cidadão, submetido a qualquer avaliação psicológica, tem direito a receber informações quanto ao resultado desse processo.
Quanto à responsabilidade técnica, o psicólogo deve ser capaz de transmitir ao candidato, cidadão, informações que esclareçam ao mesmo, sua condição psicológica atual, e, se necessário, encaminhá-lo a outro profissional ou serviço especializado, previsto no art. 1° alínea g e h do Código de Ética Profissional do Psicólogo. | |
Esta demanda inicial, segundo ela, está relacionada a diversas áreas de atuação profissional: clínica, organizacional, educacional, judiciária, hospitalar, entre outras. Uma situação que exige cuidado e responsabilidade. "O psicólogo deve ter sempre claro em seu trabalho o objetivo de estar realizando a avaliação. Dependendo do motivo da solicitação, ele pode mudar radicalmente, por exemplo, o destino de uma pessoa, família, desenvolvimento de uma criança ou decisão judicial", reforça.
Maria Cristina Pellini afirma ser importante destacar o tipo de linguagem a ser empregada na devolutiva. No caso de trabalhar a devolutiva entre colegas psicólogos, o comunicado pode ser feito em termos técnicos, fazer referências aos recursos utilizados e discutir os detalhes, "dos aspectos mais primitivos às defesas mais regressivas e mais maduras do cliente". Já em relação a outros profissionais, o psicólogo deve compartilhar somente as informações relevantes, resguardando o caráter confidencial e preservando o sigilo.
Algumas categorias profissionais, segundo ela, têm características distintas a serem observadas. Uma solicitação feita por um juiz, por exemplo, que nomeia um psicólogo como perito no sistema judiciário, deve resultar em um laudo ou um parecer, sendo que esses tipos de documentos escritos devem ser formulados com os devidos cuidados de redação e transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões e para que os operadores do Direito possam compreendê-los. |
Para uma devolutiva solicitada por escolas, o psicólogo deve se referir exclusivamente às questões levantadas na demanda inicial, "em linguagem acessível a quem vai receber o resultado e tomando as devidas precauções que não invadam a intimidade do caso por questões que não se relacionam ao campo pedagógico".
Nas situações de recrutamento e seleção, Maria Cristina Pellini alerta para a importância de ter claro o perfil do cargo para selecionar as técnicas que serão utilizadas e os procedimentos, de forma a não causar danos aos candidatos. No momento da devolutiva, ela diz que o psicólogo deve comunicar claramente ao solicitante se suas características estão ou não contemplando os anseios da empresa. "Nesses casos, temos que ter o cuidado de não utilizar expressões como 'você não passou no teste' ou 'você não passou na avaliação psicológica', porque o candidato entenderá que tem alguma dificuldade ou 'problema', e sabemos que isso não é o real, mas apenas o fato de que ele não apresenta as características exigidas para o desempenho da função", sugere.
Ressalta ainda que a importância da devolutiva no processo de avaliação psicológica, assim como em qualquer área que o psicólogo estiver atuando, deve sempre ser realizada de forma que promova o crescimento do indivíduo e não o contrário.
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