Ética e Saúde
O autor de Ética e Saúde, questões éticas, deontológicas e legais, tomada de decisões, autonomia e direitos do paciente, estudo de casos, São Paulo, EPU, 1998, Paulo Antônio de Carvalho Fortes, é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.Formou-se em Medicina, com mestrado em Pediatria e doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Da Universidade de Bordeaux III, França, obteve o título de Especialista em Direito à Saúde. É sócio fundador da Sociedade Brasileira de Bioética.
Com estas credenciais, o autor brinda os profissionais da área, incluindo-se os psicólogos, com uma obra valiosa, professores e alunos, didática, ao mesmo tempo reflexiva e prática, com ilustrações casuísticas e vastas referências bibliográficas.
Partindo da premissa de que o respeito à pessoa humana é um dos valores básicos da sociedade moderna, Fortes abre a discussão, no primeiro capítulo sobre o direito à saúde, garantido no Brasil pela Constituição de 1988, que gera o dever do Estado de provê-la a todos, e a precária realidade vivida pelos pacientes, profissionais da área e serviços de saúde, fruto de uma visão da saúde não como um direito do cidadão, mas como uma mercadoria de consumo.
Esta distorção, aliada a uma cultura autoritária prevalente na área, leva ao sistema de saúde a sua desumanização, e algumas vezes a micro-violências no cotidiano, que contrariam direitos fundamentais do ser humano.
Uma importante questão é a dos conflitos entre a atual evolução técnico-científica, que sustenta e multiplica as especialidades, e a relação interpessoal entre o profissional e o cliente, cada vez mais despersonalizada e distante, não contemplando a subjetividade, tendo como conseqüências as insatisfações, de um lado e de outro, no campo dos atendimentos. |
As próprias conquistas da ciência e da tecnologia e dos meios de comunicação geram uma falsa noção por parte dos usuários dos serviços de saúde da obrigação sempre da obtenção de resultados positivos, levando esses à utopia de um corpo perfeito e da evitabilidade da morte, o que só poderia ocorrer por falha dos profissionais. Os direitos dos pacientes são apresentados com seu histórico e sua relação com a cidadania e os aspectos jurídicos pertinentes.
No capítulo seguinte, o autor conceitua ética e moral, ética e normas jurídicas,ética e normas deontológicas, distinguindo-as. Tratando das duas grandes teorias de tomada de decisão ética, a teleológica, denominada ética das conseqüências, ética dos resultados, e a deontológica, a ética das intenções, dos deveres, Fortes apresenta as diversas críticas feitas a ambas as teorias, observando que na prática do dia a dia da saúde constata-se que as decisões são tomadas mesclando-se as duas posições éticas e exemplifica tomando a questão do direito do paciente à informação e as circunstâncias, que em muitos casos, legitimam a ocultação da verdade em benefício do próprio paciente.
Autonomia e consentimento esclarecido é o assunto tratado no terceiro capítulo, no qual a autonomia é nos seus fundamentos, discorrendo sobre seus limites, sobre os casos em que ela se encontra reduzida, nas situações de emergência e outras. Acrescenta, ainda, temas relevantes como o da adolescência e autonomia, paternalismo e consentimento livre e esclarecido. Aprendem os leitores a diferença entre o denominado consentimento informado ou pós-informado e o consentimento esclarecido.
O dever de informação pelos profissionais da saúde fundamenta-se no direito moral e legal do usuário de decidir, contemplando o princípio da autonomia. A informação deve ser simples, aproximativa, inteligível leal e respeitosa, contendo os riscos normalmente previsíveis.
Nesse capítulo, ele apresenta, ainda, os três padrões de informação, o "padrão da prática profissional", o da " pessoa razoável" e o terceiro chamado de "orientado ao paciente" ou "padrão subjetivo" no qual prevalecem não as informações determinadas pelas "regras habituais e práticas de cada profissão " nem numa abstração do que seria uma "pessoa razoável" de uma dada cultura, mas procura ser uma abordagem informativa apropriada a cada pessoa.
Finalizando o capítulo em tela, a obra explana a questão do prontuário médico em seus aspectos éticos, legais e administrativos e suas estreitas ligações com o direito do paciente à informação e do respaldo que os Códigos de Ética da Medicina e da Enfermagem dão a esse direito.
Enriquecendo o seu trabalho, o autor trata, no capítulo seguinte, do princípio da privacidade, derivado da autonomia, e do segredo profissional, que tem sua origem em Hipócrates, e obriga a sua guarda a todos os profissionais da área da saúde, estendendo-se ao pessoal técnico, administrativo e às instituições que atuam no serviço de saúde. É muito interessante a observação que é feita sobre as transformações do dever de sigilo à medida que os cuidados com a saúde vêm migrando de uma atividade liberal, em consultórios privados, para atendimentos em locais coletivos e de caráter multiprofissional, incluindo outras categorias não da área da saúde, como administradores e técnicos, o que exige novas abordagens éticas no trabalho compartilhado. A circulação de informações deve ser limitada às necessidades de cada profissional para realizar suas ações no interesse do paciente, sem prejuízo deste.
Prosseguindo no desenvolvimento do assunto privacidade e segredo profissional, o capítulo trata ainda da motivação ética do segredo e da violação do mesmo como infração legal. Aborda também os casos de quebra de sigilo e de colisão de interesses e de direitos (as justas causas) e as obrigações da administração dos serviços de saúde em proteger o sigilo sobre os documentos (prontuários) sob sua guarda e responsabilidade.
Antes de concluir com a apresentação das normas deontológicas na Medicina e na Enfermagem, tece considerações éticas sobre os riscos de violação dos segredos no uso de meios eletrônicos (informática) que, inegavelmente, têm beneficiado a assistência à saúde.
Tomando o dever de solidariedade como fundado na necessidade da manutenção da coesão social, o autor apresenta o capítulo 6 sobre a prevenção da omissão de socorro à luz da ética, da legislação, do entendimento dos nossos tribunais e da deontologia. Aborda vários tópicos fundamentais como a eficácia do socorro, a natureza do perigo e as informações prestadas por terceiros. Frisa as responsabilidades dos administradores dos serviços de saúde que devem criar condições adequadas ao cumprimento deste dever e, ainda, o retardo no atendimento, a obrigação dos especialistas do cumprimento do dever de socorrer mesmo fora de suas especialidades, os casos de omissão e de encaminhamento.
No capítulo7, o direito fundamental de ir, vir, ficar, permanecer ou sair é examinado nos estabelecimentos de atenção à saúde onde geram dilemas éticos de ação envolvendo profissionais e seus pareceres técnicos e paciente e/ou seus representantes legais. O autor posiciona-se tanto pela preservação do direito à liberdade de locomoção como pela sobreposição a uma decisão ainda que autônoma da pessoa de deixar o estabelecimento quando existe perigo iminente de vida para evitar danos graves ao paciente.
No capítulo final, o oitavo, intitulado Ética nas pesquisas em seres humanos, Fortes enfoca o crescimento da pesquisa no campo da saúde, o histórico da matéria desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração de Nuremberg (1947) até a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, no Brasil. . Examina os fundamentos éticos da pesquisa e os princípios da bioética incorporados: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.
Descreve os itens que o protocolo de pesquisa deve conter, o papel dos Comitês de Ética, citando também as normas deontológicas constantes do Código de Ética da Medicina e da Enfermagem.
Concluindo, a posição defendida pelo autor nesta obra ora resenhada pode ser entendida como uma ação em defesa da humanização dos serviços de saúde, da melhoria das condições dos mesmos, da observância dos direitos dos pacientes e dos princípios éticos que devem guiar os profissionais neste campo.
Myriam Augusto da Silva Vilarinho psicóloga e professora de Ética Profissional do Psicólogo no Curso de Psicologia da Universidade São Marcos. |